A Escola-Franco Belga de violino é considerada uma das mais importantes da história do nosso instrumento. Neste artigo, apresentamos as suas origens, suas características e seus principais representantes. Ficou curioso? Então, é só seguir na leitura! Todas as referências utilizadas encontram-se ao final deste post.

Introdução

A Escola Franco-Belga de violino é comumente definida como uma fusão entre a Escola Francesa (de Giovanni Battista Viotti, propagada no Conservatório de Paris por Rodolphe Kreutzer, Pierre Baillot e Pierre Rode) e as inovações técnicas desenvolvidas por Nicolò Paganini, com ênfase no estilo técnico-musical de seu fundador, Charles-Auguste de Bériot [1]. O termo “franco-belga” também tem sido utilizado como uma ferramenta de distinção entre a linha germânica de performance do violino – a partir de Louis Spohr, Ferdinand David e Joseph Joachim – e a linha de violinistas como Henri Vieuxtemps, Pablo de Sarasate e Eugène Ysaÿe [2]. Afinal,

O estilo de Bériot, fortemente influenciado por Paganini, com arcos saltados e staccato volante, estava em oposição direta à Escola Alemã de Spohr, em que o arco estava sempre em contato com a corda. Devemos lembrar de Mendelsohn que, em seu Concerto para Violino em Mi menor, percebeu que o futuro do violino pertencia à ousadia de Paganini, Ernst e Bériot (RIVA; GONZÁLEZ, 2015, p.27, tradução nossa).

Origens: a Escola Francesa

A Escola Francesa de violino possui suas raízes na anterior tradição de Pierre Gaviniès e Jean-Baptiste Lully, assim como no legado italiano de Arcangelo Corelli e Giuseppe Tartini a partir de uma figura central: Giovanni Battista Viotti [4]. A estreia do violinista italiano em palcos parisienses no Concert Spirituel de 17 de março de 1782 é considerada um marco na história do instrumento e pode ser explicada pelo fato de que Viotti provocou tamanha surpresa e encanto que seu novo estilo de performance foi imediatamente adotado por todos os demais músicos franceses a partir de então. Nenhum violinista da época soava como Viotti [5] e muito desse novo estilo devia-se às novas características estruturais, tanto do arco, quanto do instrumento utilizado pelo violinista italiano:

Viotti, um estudante proeminente de Gaetano Pugnani (1731 – 1798), estabeleceu sua própria e única abordagem em relação ao virtuosismo e à produção de um belo som. A utilização do novo arco Tourte, juntamente com um violino Stradivarius ‘modernizado’ para alcançar um maior volume de som, permitiu a Viotti produzir uma ampla gama de dinâmicas e um legato mais eficiente do que era possível com os instrumentos habitualmente utilizados por seus contemporâneos franceses. O arco Tourte, um termo geral que abrange as características dos arcos criados pelo archetier François Tourte (1747-1835), se tornaria o modelo para todos os fabricantes futuros, uma tradição que continua até os dias atuais, e faz o arco moderno funcionalmente idêntico ao modelo Tourte [original]. Além disso, sabe-se hoje que Viotti não só promoveu o uso do arco Tourte, como também auxiliou [o archetier] em seu processo de criação (ROBINSON, 2014, p.3, tradução nossa).

Embora Viotti não tenha escrito nenhum material pedagógico per se, muitos dos elementos técnicos e expressivos da Escola Francesa podem ser notados em seus concertos e foram também defendidos, conceituados e exemplificados nos tratados Méthode de Violon (1803) de Kreutzer, Rode e Baillot e L’Art du Violon (1834) de Pierre Baillot [5]. Neste sentido, o recém-inaugurado Conservatório de Paris, em seu papel de incentivo à publicação de tratados e apoio à uniformização do processo de ensino, muito contribuiu para a difusão e consolidação desta escola.

São características da Escola Francesa [4 e 5]:

  • a busca e aplicação dos ideais da música vocal e operística na técnica e interpretação musical do instrumento;
  • o amplo uso de tercinas e ritmos pontuados nas composições;
  • a grande produção de composições do gênero concerto, que se diferenciavam fundamentalmente do estilo das composições vienenses, em aspectos formais;
  • a configuração de passagens de virtuosismo formadas especificamente por padrões de rápidas escalas e/ou arpejos;
  • o emprego ainda conservador do arco, constatado a partir da ausência de golpes saltados;
  • a classificação de uma grande variedade de padrões de arcadas específicas (como por exemplo, a arcada Viotti);
  • uma extensa e diferenciada abordagem do legato, em relação ao Período Barroco;
  • a criação e uso frequente do martelé – um golpe de arco francês por excelência e essencialmente não aplicável aos arcos pré-Tourte;
  • a ampla execução de portamentos, especialmente em movimentos lentos e melodias sustentadas;
  • o reduzido emprego de cordas duplas;
  • o eventual destaque de cordas graves, especialmente com partes de linhas melódicas sobre a corda Sol;
  • o esforço em expressar a arte como um meio de elevação espiritual, onde a técnica está em segundo plano – Baillot, por exemplo, embora admire as façanhas técnicas surpreendentes de Paganini, alerta quanto ao perigo de suas “inovações precipitadas”;
  • certa tendência de negligenciar a orquestração, em relação aos seus contemporâneos vienenses.

A Escola Francesa, portanto, exerceu uma grande influência sobre a arte de se tocar violino e foi capaz de mudar sua trajetória a partir de um novo instrumento, de novas concepções de como executá-lo e de novos padrões de excelência. Seu legado é ainda compartilhado pela grande maioria dos violinistas, seja através do estudo dos 40 Études ou Caprices (1796) de R. Kreutzer, dos 24 Caprices (1822) de P. Rode ou pela performance de algum dos 29 concertos de G. B. Viotti. Assim, a Escola Francesa preparou o caminho para a modernidade subsequente – o “culto do virtuoso” de Paganini e Bériot – enquanto ainda vinculada às suas raízes clássicas e barrocas [4].

Os compositores da Escola Francesa apropriaram-se da tradição do passado, das inovações técnicas do presente, somaram a ela seu estilo único (embora conscientes da transformação cultural de seus contemporâneos), e criaram um estilo e forma que era, simultaneamente, completo em si mesmo e precursor do futuro. Talvez toda a arte contém as tradições do passado, as tendências do presente e um prenúncio do futuro em sua expressão; certamente a Escola Francesa de violino o fez e permanece como uma parte vital da história e cultura do instrumento (SCHUENEMAN, 2002, p. 100, tradução nossa).

A ESCOLA FRANCO-BELGA: CARACTERÍSTICAS

A Escola Franco-Belga, por sua vez, diferencia-se da Escola Francesa a partir da inclusão de elementos técnicos considerados inovativos para a época, sobre os quais Nicolò Paganini foi pioneiro. As conquistas de Paganini representam o ápice da técnica do violino do início do século XIX e a genialidade deste virtuoso em expandir os limites técnicos e expressivos do instrumento induziu diversos compositores a imitá-lo – nomeadamente, Liszt no piano, Franchomme no violoncelo, além de Bériot, Vieuxtemps e Ernst no violino, dentre outros [6]. De acordo com Guhr [7], a performance de Paganini distinguia-se tecnicamente de todos os demais violinistas de seu tempo em seis pontos básicos:

  • ocasional afinação diferenciada do instrumento (scordatura);
  • execução de arcadas e golpes de arco não convencionais, com especial destaque para o ricochet;
  • melodias tocadas com o arco acompanhadas por pizzicati executados pela mão esquerda;
  • extensivo e virtuoso emprego de harmônicos naturais e artificiais;
  • execução de melodias inteiras sobre corda a Sol;
  • escrita polifônica que por vezes simulava outros instrumentos.

Swalin [8] ainda acrescenta à essa lista a facilidade sem precedentes de Paganini na execução de cordas duplas e acordes, glissandos ascendentes e descendentes, harmônicos simples e duplos, assim como em sua performance sobre o registro mais agudo do violino.

Somadas a todas essas características está a linguagem do Bel Canto italiano, sobre o qual Maria Malibran – esposa de Charles de Bériot e uma das mais famosas cantoras líricas do século XIX – muito o ensinou e influenciou. O termo Bel Canto refere-se ao estilo de música vocal italiano predominante entre os séculos XVIII e início do século XIX, que possuía como princípios a produção de um perfeito legato sobre toda a extensão vocal e uma produção sonora ágil, flexível e caracteristicamente leve nos registros agudos [9]. Além disso, este mesmo termo pode ser empregado de forma exclusiva à ópera italiana da época de Gioachino Rossini, Vincenzo Bellini e Gaetano Donizetti. Em ambos os casos, o Bel Canto é habitualmente contrastado com o estilo mais pesado, de maior projeção e voltado para as inflexões da fala associado à ópera alemã e, mais especificamente à ópera de Wagner.

O estilo e os ideais musicais franceses, as inovações técnicas de Paganini e a grande influência do Bel Canto italiano compõem, portanto, o perfil técnico-musical da Escola Franco-Belga de violino. A partir da atuação de Charles-Auguste de Bériot no Conservatório Real de Bruxelas, nomes como Henri Vieuxtemps, Lambert Massart, Émile Sauret, Henri Wieniawski, Hubert Léonard, Eugène Ysaÿe, Martin Marsick, César Thomson, George Enescu, Fritz Kreisler, Jacques Thibaud e Carl Flesch integraram uma extensa linhagem de violinistas que possuíam o refinamento sonoro, a elegância da performance, a precisão da afinação e a elevada virtuosidade técnica como seus ideais. Ideais estes que, de acordo com Bosísio [10], conferiram à Escola-Franco Belga a honra de ser a mais moderna e artística das Escolas de Violino de finais do século XIX e início do século XX.

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Texto extraído e adaptado da dissertação de mestrado intitulada “Méthode de Violon (1858) de Charles-Auguste de Bériot: perspectivas pedagógicas do fundador da escola franco-belga de violino e suas relações com a pedagogia moderna”, de autoria de Bruna Caroline de Souza Berbert (UFMG, 2017).

Referências Bibliográficas
  1. KREYSZIG, Walter. Charles-Auguste de Bériot’s beau art as Key to His Founding of the Franco-Belgian Violin School: On the Relationship between Violin Pedagogy and Compositional Practice. In: FESTIVAL PAGANINIANO DI CARRO, 2012, Spezia. La Scuola Violinistica Franco-Belga da G. B. Viotti a E. Isaÿe. Spezia: Centro d’Arte Moderna e Contemporanea, 2012. p. 31. Resumo.
  2. MILSON, David. The Franco-Belgian School of Violin Playing: Towards an Understanding of Chronology and Characteristics, 1850-1925. In: FESTIVAL PAGANINIANO DI CARRO, 2012, Spezia. La Scuola Violinistica Franco-Belga da G. B. Viotti a E. Isaÿe. Spezia: Centro d’Arte Moderna e Contemporanea, 2012. p. 14. Resumo.
  3. RIVA, Santiago de la; GONZÁLES, Maria Ángeles Martínez. Las Escuelas de Violín (II): Las Escuelas Francesa y Franco-Belga. Revista de Música Intermezzo, Málaga, n. 57, p.24-29, Fev. 2015.
  4. SCHUENEMAN, Bruce R. The French Violin School: Viotti, Rode, Kreutzer, Baillot and Their Contemporaries. Texas: The Lyre of Orpheus Press, 2002. 114 p.
  5. ROBINSON, Airdrie Kalyn. “Plein de Feu, Plein D’audace, Plein de Change”: Examining the Role of the Méthode De Violon in the Establishment of the French Violin School. 2014. 74 f. Thesis (Master of Music) – Department of Music, University of Lethbridge, Lethbridge, Canada, 2014.
  6. STOWELL, Robin (Ed.). The Cambridge Companion to the Violin. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. 305 p.
  7. GUHR, Carl. Über Paganinis Kunst die Violine zu spielen. Mainz: B. Schott’s Söhnen, 1830 citado por ISTEL, Edgar. The Secret of Paganini’s Technique. Tradução de Theodore Baker. The Musical Quarterly, Oxford, v. 16, n. 1, p. 101-116, Jan. 1930.
  8. SWALIN, Benjamin F. The Violin Concerto. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1941 citado por SAMS, Vicki M. Violin Technique from Monteverdi to Paganini. Virginia,1976. 125 f. Thesis (Bachelor of Arts) – Department of Music, Sweet Briar College, Virginia, Estados Unidos, 1976.
  9. JANDER, Owen; HARRIS, Ellen. Bel Canto. In: The New Grove Dictionary of Music and Musicians. 2. ed. London: Macmillan, 2001.
  10. BOSÍSIO, Paulo. Paulina d’Ambrosio e a Modernidade Violinística no Brasil. 1996. 82 f. Dissertação (Mestrado em Música Brasileira) – Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1996.