Em 2011, quando eu estava no 2º ano do curso de graduação, meu querido professor Ticiano Biancolino (que, na época, lecionava História da Música II para minha turma) teve a brilhante ideia de sugerir a criação de um blog sobre algum tema relacionado ao período Barroco. Este era o conteúdo que estudávamos naquela época e a criação do blog constituiria uma forma de avaliação da disciplina. Eu tive a sorte de estudar, durante todo o curso, com um grande amigo violinista e violista chamado Rafael Graboski. Por isso, o prof. Ticiano propôs que eu e este meu querido amigo escrevêssemos sobre “os instrumentos de arco no período Barroco”, o que fizemos. Como uma forma de relembrar e valorizar esses momentos e, ainda, compartilhar aspectos relevantes da história do violino, adaptei o conteúdo que produzimos naquela época para este post (acrescentando vários vídeos de performances para vocês entrarem no clima barroco) e espero que gostem!

O PERÍODO BARROCO

O período barroco foi muito importante e prolífico na criação de instrumentos que levaram à ascensão da família do violino. Foi basicamente nesse período que os consorts de violas da gamba foram sendo gradativamente substituídos pelas orquestras (que começavam a surgir, em formações diversas), e que emergiram os primeiros virtuoses — como Giuseppe Tartini e Arcangelo Corelli (que além de violinistas eram compositores) —, o que colaborou ainda mais para o avanço histórico do instrumento.

A FAMÍLIA DAS VIOLAS

A viola da gamba surgiu no fim da Idade Média e atingiu o seu apogeu no século XVIII. Ela também ficou conhecida (no início do século XVI) como viole da tasti (que significa “viola com trastes”), como uma forma de diferenciá-la entre tantos tipos de viola existentes. No italiano a palavra gamba significa perna, e este nome reflete muito a forma de se tocar o instrumento. De maneira geral, eles eram apoiados ou segurados pelas pernas do instrumentista. Além disso, é importante destacarmos que existem diferentes tipos de viola da gamba, que possuem tessituras e tamanhos diferentes. Elas são classificadas da seguinte maneira, do instrumento mais agudo ao mais grave, respectivamente:

  • Pardessus de viole
  • Soprano
  • Contralto
  • Tenor
  • Baixo
  • Violone

Antes da criação da orquestra (cuja base é formada pelos instrumentos de arco), nos séculos XVI e XVII, existiam conjuntos de violas, chamados consorts. Nos consorts, as violas da gamba soprano, tenor e baixo eram integrantes regulares. Esses grupos gradativamente caíram em desuso à medida em que as salas de concerto se tornaram maiores e o som mais projetado e penetrante da família dos violinos se tornou mais popular.

Dentre os grandes gambistas, Marin Marais foi um dos mais importantes virtuoses-compositores na história do instrumento e, além dele, compositores como Johann Sebastian Bach, Antoine Forqueray, Karl Friedrich Abel e Henry Purcell escreveram obras para a viola da gamba.

VIOLA D’AMORE

A viola d’amore é um instrumento de 6 ou 7 cordas friccionadas (isto é, tocadas com o arco) que possui mais outras 6 ou 7 cordas simpáticas — ou seja, que vibram quando aquelas são tocadas. Por conta desta característica, a viola d’amore possui um timbre metálico, porém suave e anasalado. Este instrumento é muito semelhante à viola da gamba soprano (sendo, inclusive, do mesmo tamanho). Mas a grande diferença entre elas reside na técnica: a viola d’amore é tocada de forma semelhante ao violino — no ombro, e não na perna, como a viola da gamba. Os séculos XVII e XVIII foram muito importantes para a literatura da viola d’amore, sobressaindo as obras do violista d’amore e compositor Attilio Ariosti (1666-1740).

Viola d’amore
A FAMÍLIA DO VIOLINO

A rabeca, pequena e com formato de pera, e a lira da braccio são outros dois instrumentos que contribuíram significativamente para o desenvolvimento do violino. Os primeiros violinos, inclusive, possuíam apenas três cordas e eram frequentemente chamados de “rabeca”, até que a palavra vyollon fosse usada.

Ninguém sabe exatamente quem fez o primeiro violino, há aproximadamente 500 anos. No entanto, muitos estudiosos consideram que ele tenha se originado, muito provavelmente, na Itália. Com o aumento da popularidade do violino, começaram a surgir, no séc. XVI, os fabricantes especializados na construção desse instrumento. A cidade italiana Cremona foi a precursora, e ali se estabeleceu a primeira liuteria que conhecemos: a do grande Andrea Amati. Três gerações da família Amati redesenharam e desenvolveram o violino, conferindo-lhe um formato que ficou praticamente inalterado até hoje.

Violino Andrea Amati “Charles IX”, de 1564, o violino mais antigo do mundo que chegou até nós.

Os violinos Amati ainda são tocados atualmente e influenciaram o trabalho de outro grande luitaio, que começou sua carreira na oficina de Nicolò Amati: o famoso Antonio Stradivari. Ele desenvolveu um violino mais alongado, reforçou a construção de seu corpo e alargou os efes do violino, enriquecendo, assim, o seu timbre e acrescentando potência sonora ao instrumento.

Violino Antonio Stradivari ex-Auer, 1690.

Os principais compositores e violinistas do período Barroco foram Biagio Marini (1597-1665), Carlo Farina (1600-1640), Arcangello Corelli (1653-1713), Antonio Vivaldi (1678-1741) e Giuseppe Tartini (1692-1770), na Itália; e, na Alemanha, Heinrich von Biber (1644-1704), Georg Friedrich Händel (1685-1759), Johann Sebastian Bach (1685-1750).

A viola de arco que conhecemos hoje, apesar de pertencente à família do violino e de compartilhar basicamente o mesmo formato, tem como antepassado a viola d’amore. As violas mais antigas que se tem conhecimento são as de Andrea Amati (veja abaixo, à direita, na linha superior) e de Gasparo da Salò (à esquerda) e o seu tamanho é bastante maior que o da viola atual. Além disso, algumas violas deste período foram “remodeladas” e tiveram seu tamanho reduzido posteriormente, algo que também aconteceu com alguns violoncelos. Mais tarde, fabricaram-se instrumentos menores, existindo belos exemplares feitos por Andrea Guarneri (veja abaixo, à direita, na linha inferior) entre 1676 e 1697.

Durante muito tempo a parte da viola não era escrita, ficando esta tarefa a cargo dos copistas. Johann Sebastian Bach e Georg Friederich Händel foram os primeiros a escrever partes importantes para esse instrumento e Georg Philipp Telemann, o primeiro a escrever um concerto para viola.

No século XVIII existia também a viola pomposa, que tinha cinco cordas e recebia também a designação de violino pomposo. Ela era utilizada para reforçar a sonoridade do violino na orquestra e, segundo uma lenda, a sua invenção é (equivocadamente) atribuída a Johann Sebastian Bach, embora ele nunca tenha escrito nada para este instrumento.

Viola pomposa

O violoncelo (figura abaixo, à esquerda), que é descendente do baryton (à direita) e da viola da gamba, é outro membro da família do violino. O cello surgiu da necessidade de um instrumento que alcançasse uma tessitura capaz de executar a linha do baixo, mas que fosse ao mesmo tempo portátil, para poder ser usado em procissões religiosas. Por este fato, inclusive, os primeiros instrumentos tinham dois orifícios em seu fundo por onde se passava uma corda que os suspendiam, prendendo-se ao pescoço do músico que o tocava. Além disso, o violoncelo teve uma lenta aceitação como instrumento solista, por isso ele coexistiu entre a família do violino e a da viola da gamba. Dentre as obras para violoncelo deste período, destacamos as 6 suítes de Johann Sebastian Bach e os concertos de Antonio Vivaldi.

Por fim, o contrabaixo é o mais diferente entre os instrumentos de arco da orquestra, já que sua construção se difere muito da de seus companheiros. A título de exemplo, seu fundo é mais plano e sua afinação é em quartas (enquanto os outros instrumentos de arco afinam em quintas). Isso se deve ao fato de o contrabaixo estar ligado com mais proximidade à família da viola da gamba —  alguns violones foram, inclusive, transformados posteriormente em contrabaixos.

Contrabaixo Gasparo da Salò.